Publicado em 02/07/2025 às 15:16, Atualizado em 02/07/2025 às 18:17

"Quando o crime vira rotina e o estado, acidente", por Sargento Betânia

Sargento Betânia, Especialista em Segurança Pública
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Imagem: Divulgação

Falar em segurança pública no Brasil exige muito mais do que retórica política ou boas intenções. Falo com a autoridade de quem vivencia essa realidade, por mais de duas décadas, enfrentando de frente os efeitos de uma estrutura frágil, insipiente, obsoleta e ineficaz no combate ao crime organizado.

A criminalidade no Brasil deixou de ser um fenômeno doméstico. Hoje, facções criminosas como o PCC e o Comando Vermelho operam como verdadeiras corporações internacionais, com presença em ao menos 16 países da América Latina e da Europa, conforme aponta relatório do Global Initiative Against Transnational Organized Crime (2023). Isso torna ainda mais urgente a formulação de uma política nacional de segurança pública robusta, integrada e sistematizada — algo que, lamentavelmente, o Brasil ainda não tem.

Atualmente, cada estado tenta combater o crime com os meios que possui. Faltando estrutura moderna para os operadores que estão na ponta e respaldo jurídico para atuação. Não existe um plano nacional que una inteligência, forças policiais, políticas sociais e diplomacia estratégica para enfrentar esse problema transfronteiriço.

Sem uma política de Estado, significa dizer que as ações de enfrentamento ao crime organizado e à criminalidade ficam condicionadas à vontade e ao viés do gestor da ocasião. Iniciam-se com uma nova gestão, mas quase sempre são interrompidas ou abandonadas com sua substituição, tornando-se medidas episódicas e ineficazes. Faltam continuidade, planejamento e implementação duradoura — pilares essenciais para se combater um inimigo que atua de forma permanente e organizada.

A ausência desse plano é ainda mais grave diante de dados como os divulgados pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública: em 2023, mais de 47 mil pessoas foram assassinadas no País. Grande parte dessas mortes tem ligação direta com o tráfico de drogas — a base de sustentação do crime organizado.

E não é só tráfico. O Departamento de Estado dos EUA já manifestou interesse em classificar facções brasileiras como organizações terroristas. Não é exagero. A Polícia Federal já conduziu diversas investigações que apontam a atuação de criminosos ligados ao Hezbollah no Brasil, especialmente em regiões de fronteira. Em 2023, uma operação resultou na prisão de suspeitos de intermediar financiamento de células do grupo terrorista em território nacional.

Não existe liberdade sem segurança. Sem segurança, ninguém vai ao trabalho, à escola, à igreja, ao mercado ou ao lazer. O medo trava a economia, paralisa a vida social e sabota o futuro do País.

Outros países já entenderam isso. A Colômbia, por exemplo, implementou o “Plano Colômbia” com apoio dos Estados Unidos e conseguiu reduzir drasticamente os índices de violência e enfraquecer o poderio de cartéis e grupos armados. El Salvador, com medidas severas de encarceramento e reformas legislativas, conseguiu cortar pela metade seus índices de homicídio em menos de quatro anos.

Enquanto isso, no Brasil, estuprador tem direito à visita íntima. O preso condenado por crime hediondo ganha progressão de regime e, em muitos casos, volta a delinquir em menos de 12 meses. É o triunfo da impunidade. A inversão de valores. A zombaria institucional.

Não se trata apenas de “opinião”. Trata-se de vivência, estudo técnico e constatação prática: precisamos endurecer as leis, cortar benefícios penais absurdos, integrar forças de segurança com estratégia internacional e, principalmente, encarecer o crime, para que a vida bandida deixe de ser vantajosa.

Segurança pública é pré-requisito para qualquer outro direito. E quando o Estado falha nesse dever, o crime ocupa o espaço — com fuzil, colete, e muitas vezes, até com patrocínio internacional.

O combate ao crime organizado exige também uma mudança cultural urgente. Precisamos abandonar a ideia de que o criminoso é um produto exclusivo do meio. O crime é, sim, uma escolha racional, fruto da análise dos riscos e benefícios envolvidos. Quando o risco é baixo — graças a leis brandas, progressão de regime, benefícios penais e frouxidão institucional — o caminho do crime se torna vantajoso.

Não obstante, o que vemos é um sistema que insiste em proteger mais o infrator do que o ofendido. O Código Penal brasileiro está ultrapassado, cheio de brechas que garantem mais benefícios ao criminoso do que segurança à população.

É urgente uma reforma no sistema de justiça criminal, com revisão séria da Lei de Execução Penal. O Conselho Nacional de Justiça (CNJ) precisa deixar de atuar como legislador informal em favor de condenados, criando regras e interpretações que frequentemente contrariam o clamor social e a segurança pública.

E o “auxílio-reclusão”? Esse é um dos deboches do sistema. A família do criminoso preso recebe assistência do Estado, enquanto a família da vítima é esquecida, ignorada, abandonada à própria sorte.

Quem perdeu o pai, o marido, o arrimo de família assassinado brutalmente, vai recorrer a quem? ​

Quem paga a escola do filho de quem foi morto covardemente num assalto?

Onde está a reparação à verdadeira vítima?

Essas distorções legais e morais precisam acabar. Justiça de verdade protege o inocente e pune o culpado — com rigor, com clareza e com responsabilidade.

Outro ponto negligenciado é o investimento em inteligência estratégica. Em um cenário onde o crime organizado opera com logística internacional e articulação digital, o Brasil segue atrasado, com ferramentas rudimentares e estrutura desatualizada para prever, monitorar e combater essas redes com eficácia.

Ademais, os presídios brasileiros se tornaram verdadeiras incubadoras do crime. Em vez de corrigir, eles fortalecem o domínio das facções, que continuam comandando assassinatos, extorsões e tráfico de dentro das celas. Em muitos casos, são os próprios detentos que determinam as regras do jogo, gerenciando o sistema prisional como uma extensão do crime.

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