O movimento Stop Killing Games (SKG) vem ganhando cada vez mais popularidade na Europa desde que surgiu, e não é apenas lá Com um apelo forte em prol dos direitos dos consumidores de jogos de videogame, a iniciativa tem recebido atenção em outros mercados com forte base gamer.
Um desses mercados, claro, é o brasileiro. Seria possível replicar o movimento no Brasil? E qual seria o eventual impacto por aqui? Além disso, estamos falando apenas de jogos de videogames ou também de jogos em cassinos online? Vamos dar uma olhada mais a fundo em todos esses pontos.
O que é o Stop Killing Games?
Para começo de conversa, vamos entender o que é, afinal, o Stop Killing Games (SKG). Em tradução livre, o nome do movimento em português seria algo como “Parem de Matar os Jogos”. No entanto, não estamos falando de qualquer jogo.
O foco dessa iniciativa, que surgiu na Europa, são os jogos de videogame, ou mais especificamente jogos de videogame que perdem a jogabilidade depois de algum tempo por iniciativa do fabricante. São games que funcionam exclusivamente online, e assim, se tornam inúteis depois que o servidor é desativado.
Há diversos exemplos de jogos que acabaram assim. Inclusive, um desses jogos acabou sendo o estopim do movimento SKG, disparando uma onda de defesa dos direitos dos consumidores. Isso ocorreu com o jogo The Crew, um jogo de corrida produzido pela Ubisoft, uma das principais fabricantes de jogos de videogame do mundo.
The Crew surgiu em 2014 com uma característica pouco atraente: a necessidade de uma conexão à internet mesmo no modo single-player (para um jogador). Isso acabou se tornando algo polêmico e, posteriormente, no final de 2023, a Ubisoft anunciou que deixaria de dar suporte ao jogo, desligando seus servidores.
Então, no ano seguinte, a empresa começou a revogar as licenças dos jogadores, após oferecer reembolso para quem havia adquirido o jogo mais recentemente.
Isso levou a uma campanha contra práticas do tipo, liderada pelo YouTuber Ross Scott. Desde então, o movimento vem incentivando usuários a votarem em petições para que os desenvolvedores providenciem maneiras de jogar após o fim do suporte. Isso pode ocorrer, por exemplo:
• Adicionando um modo offline ao jogo;
• Permitindo a hospedagem em servidores privados;
• Mantendo os servidores ativos caso não esteja claro para os consumidores que a licença pode ser revogada.
O objetivo, no caso, é não deixar que os jogos “morram” por decisão dos fabricantes, o que também acaba sendo uma crítica ao formato game as a service (GaaS), ou “jogos como serviço”. Aliás, o próprio Scott chamou esse modelo de “fraude” anteriormente.
Qual poderia ser o impacto no Brasil?
O movimento SKG trata de um tópico relevante para o público game, e o mercado brasileiro de games é um dos maiores do mundo. Apesar disso, não há qualquer sinal aparente de que haja uma articulação relevante em prol dos direitos dos consumidores nesse caso.
E não é difícil entender o porquê disso. No momento, parece que os parlamentares brasileiros têm outras questões em vista no momento. Afinal, casos como o dos descontos ilegais do INSS e do “tarifaço” de Trump são quentes o suficiente para atrair mídia e mobilizar deputados e senadores. Já a questão dos games “mortos” acaba perdendo prioridade, e sem uma legislação específica.
Um movimento ao estilo SKG — focado em crescimento sustentável, criatividade local e engajamento comunitário, em vez de competição promocional agressiva — pode transformar o mercado de games no Brasil de forma significativa.
Jogos para console, PC e mobile
O Brasil possui uma cultura gamer vibrante em plataformas mobile, PC e consoles, com destaque para o mobile devido ao custo acessível e ampla penetração. Historicamente, desafios como altos impostos estimularam soluções locais criativas e fortaleceram a cena de jogos independentes.
Uma abordagem SKG permitiria aos estúdios brasileiros priorizar a inovação e conteúdos relevantes para o público local, reduzindo a dependência de franquias importadas e incentivando a criação de experiências originais voltadas à crescente base de jogadores do país.
Esports e Fantasy Gaming
O país conta com um ecossistema de eSports dinâmico, com competições de nível internacional e estrelas locais. Os princípios SKG poderiam fortalecer ainda mais esse cenário, promovendo um apoio que vá além dos grandes eventos e chegue ao desenvolvimento de base, ampliando a formação de talentos e construindo uma infraestrutura mais sólida e voltada para a comunidade — capaz de sustentar o interesse no longo prazo.
iGaming (cassinos, apostas e jogos online)
O setor de iGaming, agora regulamentado no Brasil, está em plena expansão, com projeções que apontam para mais de US$ 4 bilhões até 2029. Hoje, os operadores competem principalmente com bônus e promoções de curto prazo, o que incentiva o chamado “comportamento caça-bônus”. Uma filosofia inspirada no SKG mudaria esse foco para ferramentas de fidelização sustentáveis, jogos localizados e opções acessíveis — permitindo que a concorrência se baseie em criatividade e inclusão, e não apenas em grandes bônus de boas-vindas e jogos com apostas de 10 centavos. Isso tornaria o iGaming mais acessível e fomentaria uma comunidade de jogadores mais fiel e com menor risco - você pode ler muito mais sobre isso aqui.
O que ocorreu em seguida
A campanha do SKG ganhou força e levou a uma série de petições que acabaram pressionando empresas como a Ubisoft. Inicialmente, a empresa se recusou a comentar o tema, mas acabou tendo que se posicionar publicamente devido à marcação cerrada dos militantes do movimento.
Em julho deste ano, Yves Guillemot, o CEO da Ubisoft, declarou que a empresa fornece informações a respeito dos jogos, incluindo o tempo que eles ficam disponíveis. Além disso, Guillemot falou que "o suporte para todos os jogos não pode durar para sempre". Esses comentários foram alvos de novas críticas por parte do público. Afinal, o que o SKG pede não seria necessariamente um suporte eterno dos fabricantes.
Apesar disso, dentro da União Europeia, onde o movimento nasceu, não houve apoio expressivo por parte de representantes públicos e entidades relevantes. Alguns parlamentares até vieram a público defender a ideia, e ela chegou a ser registrada como iniciativa junto ao Parlamento Europeu. No entanto, acabou não ganhando tração o suficiente.
Isso acabou fazendo com que o SKG perdesse força na Europa, por enquanto, apesar de essa ser uma história ainda viva.
Aliás, uma prova de como o tema não morreu (como The Crew) são os avanços que ele teve em outras partes do mundo. Um exemplo é a Lei AB 2426, do estado da Califórnia, nos EUA. Criada em setembro de 2024, ela torna ilegal o uso de termos como “comprar” e “adquirir” na divulgação de produtos digitais que são oferecidos, na prática, no formato de licenças.
Em outubro de 2024, a Steam passou a exibir um alerta em seus jogos informando que a “compra” dos títulos equivale à aquisição de licenças para jogar. Portanto, apesar de o modelo de negócio continuar existindo, ocorre ao menos uma melhora em termos de transparência.
Conclusão: SKG em prol de um mercado mais inovador
Com uma regulamentação clara impulsionando a confiança e os investimentos, um movimento SKG poderia acelerar as perspectivas de longo prazo do setor de games no Brasil. Ao valorizar programas responsáveis, voltados para a comunidade, e títulos com identidade local, o mercado tende a se afastar das “corridas promocionais” e a se orientar por inovações duradouras e crescimento saudável. Essa abordagem pode servir como modelo para outros mercados emergentes, provando que desenvolvimento sustentável e excelência criativa podem caminhar juntos.
Em resumo, se adotado por estúdios e debatido com reguladores, o espírito do SKG eleva a transparência e garante opções de jogabilidade após o fim do suporte. No Brasil, isso protege o consumidor, estimula criação local e desencoraja corridas promocionais em favor de valor real de longo prazo.
(*Conteúdo de marca sob responsabilidade do autor)
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