Publicado em 12/03/2016 às 10:28, Atualizado em 26/04/2017 às 15:47
O clássico do roteirista e desenhista estadunidense Frank Miller acaba de completar 30 anos. Lançado em março de 1986, The Dark Knight Returns publicado no Brasil ano seguinte como Batman O Cavaleiro das Trevas segue sendo uma das histórias em quadrinhos (HQs) mais influentes de todos os tempos. A minissérie conta também com os trabalhos de Klaus Janson e Lynn Varley, na arte-final e nas cores.
Além da importância para a solidificação do que se convencionou a chamar como Era de Ferro ou Era Sombria das HQs e para a definição de conceitos sobre a personalidade do Homem-Morcego (ao lado de Batman: Ano Um, também de Miller), Cavaleiro das Trevas continua atual por outras questões abordadas na minissérie, lançada originalmente em quatro partes hoje ela pode ser encontrada no formato de novela gráfica, inclusive contendo a parte dois da história.
A primeira delas é questão ambiental. O clima da Gotham em que o Bruce Wayne de Miller - um sujeito taciturno, razinza e que beira o descontrole vive é descrito como caótico, com poluição extrema e altíssimas temperaturas, seguidas de tempestades. Apesar de não ser o elemento principal, o clima ajuda na compreensão dos conflitos sociais e da personalidade do Homem-Morcego, demonstrando que é impossível dissociar as mudanças climáticas, cada vez mais rápidas e intensas, do impacto que elas têm nas populações onde ocorrem.
No bojo da questão ambiental, Miller também trouxe a tona outro elemento: a Guerra Fria. Embora as relações entre Estados Unidos e União Soviética não tenham sido muito amistosas no começo dos anos 1980, devido a uma série de conflitos, a metade da década começa a sinalizar um arrefecimento na rivalidade, principalmente com a chegada de Mikhail Gorbachev ao poder na União Soviética. Mesmo assim Miller insistiu no tema, ao relatar um conflito entre as duas potências, com resultados catastróficos, sobre o controle do fictício país de Corto Maltese, uma ilha localizada na América do Sul qualquer semelhança com Cuba e a Crise dos Mísseis não é mera coincidência. Se durante muito tempo a proposição de Miller pareceu fora de questão, o mesmo não de pode dizer hoje em dia a partir do conflito em andamento na Síria que opõe novamente Estados Unidos e Rússia.
Mas a questão que gerou a crítica mais contendente de Miller foi à ação dos meios de comunicação recebendo grande destaque inclusive na introdução do encadernado que celebra os 20 anos da obra. A função que mídia desempenha, com relação ao Batman e maneira como trata a criminalidade em seus noticiários, foi alvo sistemático do quadrinista. O debate pouco plural, a postura sensacionalista e voltada à manipulação da opinião pública é um dos elementos centrais da trama. Para comprovar sua tese, Miller chega ao cúmulo de mostrar a participação do Coringa em um talkshow em que todos (apresentador, equipe e plateia) acabam sendo mortos. Exageros a parte, o comportamento da mídia na história não é muito diferente do que vemos nos programas policiais da televisão brasileira, que exploram a violência cotidiana ao máximo.
A superexposição do Batman na mídia leva à discussão sobre a função dos super-heróis, simbolizada pela batalha entre Batman e Superman. O confronto final coloca frente a frente o Detetive e o Escoteiro, o primeiro agindo de maneira independente enquanto o segundo possui a anuência do Estado na figura do governo dos Estados Unidos ideia semelhante à contida na série Guerra Civil, de Mark Millar e Steve McNiven, que envolve grande parte do universo Marvel e ganhará uma versão cinematográfica ainda esse ano. Por meio de uma batalha em que não há vencedores, a questão que se põe no mundo real, onde os heróis dos HQs não existem, é: estamos habilitados para agir acima da lei? A questão é bastante pertinente em meio ao aumento dos casos de linchamento no Brasil, feitos por populares e justiceiros, resultando muitas vezes na agressão e até morte de pessoas inocentes.
São essas as questões que mantêm o Cavaleiro das Trevas de Miller atual. Em que se pesem as críticas feitas a Miller, seja pelo caráter reacionário e fascista de sua obra ou pela qualidade questionável de seus trabalhos recentes, a interpretação do Batman feita por ele se tornou clássica e trouxe o Homem-Morcego para mais próximo de suas raízes, influenciando publicações posteriores como a morte do segundo Robin Jason Todd na minissérie Morte em Família e a própria figura do Batman na cultura pop. Ela reforçou o Homem-Morcego como um sujeito durão e amargo e influenciou as representações do personagem em outras mídias, animações, jogos e filmes como a trilogia definitiva The Dark Knight, de Christopher Nolan, e o vindouro Batman vs. Superman: Dawn of Justice, que estreia esse mês.
Se você se entusiasmou com a batalha entre os dois personagens, exibida nos trailers do filme, saiba que Frank Miller estava lá.
*Jornalista
Trailer Batman vs. Superman: https://www.youtube.com/watch?v=IHDgrNxO-5I