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“Se conselho fosse bom”, por Elizeu Gonçalves Muchon

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Imagem: Divulgação

Estamos vivendo um périplo fúnebre com tantas mortes atribuídas e confirmadas como causa a Covid – 19. Mais de 400 mil. Que pode chegar a 500, 600 mil, sabe-se lá. Além, obviamente de tantas outras por causas naturais, doenças graves, acidentes, mortes violentas e por aí vai.

Haja equilíbrio psicológico. Se perder o foco cai em depressão.

Nesse contexto, a vida segue dentro de uma rotina nunca vista antes por ninguém, especialmente por aqueles minimamente sensatos.

Saio de casa para o trabalho e quando necessário vou ao supermercado e ponto final.

Outro dia, quando estava no portão de minha casa, minha vizinha aproximou-se em passos largos e foi logo dizendo, que se conselho fosse bom ninguém dava, vendia, mesmo assim é preciso aconselhar as pessoas a se cuidarem.

Minha mãe sempre me disse, que um bom conselho e uma boa companhia vale ouro, enquanto um mau conselho e uma má companhia pode levar o homem a ruína.

Deixei o portão e ganhei as ruas. Tinha que sair. Compromisso inadiável.

Estamos na época do início das gripes, então temos pessoas com coriza e tosse. É gripe, ou Coronavírus?

Na rua fui observando. Uns usam máscaras, outros não usam, alguns usam errado, deixando o narigão de fora.

Devia dar um conselho?

Cheguei ao primeiro compromisso. Chamei o elevador. Tinha álcool gel. Mas, e do lado de dentro, será que colocaram?

Tenho no bolso um pequeno vidro de álcool. Fiz a higienização das mãos. Mas, e as paredes?

Abrem-se as portas do elevador e adentrei o auditório.

Poucas pessoas e cumprindo o protocolo. É sempre assim no começo, depois a coisa desanda.

Cumprimentei a todos. Um senhorzinho de meia idade estava aconselhando o grupo. Era um discurso eloquente. Sua máscara ia e voltava como um fole. Esbanjava conhecimentos. Não era um médico infectologista, mas parecia, tamanho seu conhecimento sobre o vírus chinês. Estava dando um bom conselho. Pregava seus conhecimentos na inequívoca intenção de convencer a todos dos cuidados a tomar. Por fim, no entanto, repetiu o que minha vizinha havia dito há pouco. Pena meus amigos – profetizou ele – é que conselho não vale muito. Veja o caso da mosca, filosofou ele lembrando Willian Sanhes, “por mais que a abelha explique à mosca que a flor é melhor que o lixo, a mosca não entenderá, porque cada um vive na sua realidade”.

O restante de minha permanência ali é irrelevante para o périplo psicótico de meu dia.

Tinha uma lanchonete nas dependências. Resolvi passar por lá. Mas, e o copo, estava limpo? A moça atendente estava sem luvas. O vento frio do início do inverno invadiu o ambiente em correntes alternadas, espalhando certo melancolia.

Na parede, uma TV ligada e um senhor – esse sim médico infectologista – listava os idosos, gestantes e pessoas hipertensas, diabéticas, cardíacas e tantas outras com morbidade e vulnerabilidade. Explicava os protocolos e informações de cunho científico. Dava conselhos e orientações preciosas sobre a Covid.

No balcão um negacionista resmungava, desdenhava e batucava o samba do Zeca, deixa a vida me levar.

Quem estava com a razão? O cientista, é óbvio.

Mas o negacionista resolveu discursar. “Esse médico só diz bobagem” – afirmou o sujeito, intercalando sua fala com mordidas em um pastel de carne.-

No meu Bairro morreu um jovem atleta, dizem ser Covid, mas como vamos saber? Ele falava e as pessoas não davam atenção. Todavia, o rapaz insistiu em convencer a todos, como um intruso que oferecia conselhos errados a quem não havia pedido. Até botou o Presidente Bolsonaro na Conversa. “Certo está o Presidente, isso é como uma chuva, vai pegar em todo mundo”. Advogava com convicção negando a letalidade do vírus.

Paguei a conta e saí.

Será que fui contaminado? Que droga fui fazer naquele lugar? São tantos pensamentos e besteiras que passam pela cabeça que às vezes imagino que a banana vai comer o macaco.

Usei as escadas para descer. No rol, meu telefone tocou. Chamada de vídeo. Era o João. Um amigo que mora na capital. Vocês não conhecem o João. Um baita amigo com quem fiz centenas de pescaria. Desde que ele foi embora nos falamos pouco. Mas quando o João liga é porque quer falar coisas importantes. Às vezes pedir conselho. Nunca vendi meus conselhos a ele, razão pela qual acho que não serviram para nada, de acordo com minha vizinha.

O João estava abatido. Qual o assunto? Dou uma nota de três reais para você adivinhar. O vírus chinês, evidentemente.

Ele começou a descrever o pânico no transporte coletivo. Gente como formiga nos ônibus e metrôs. Jeito não tinha. Ou vai ao trabalho ou perde o emprego. No semblante das pessoas – conforme relato do João, o pânico, o desalento, mais pareciam bois rumo ao matadouro.

Nada menos de cinco laudas seriam preciso para descrever o relato do João. Resumindo seu desabafo, ele afirmou não suportar mais tamanha admoestação coletiva. Esse “coletiva”, não se refere apenas à população brasileira, mas a quase 8 bilhões de pessoas no mundo todo.

Continuar falando de pandemia só enche o saco de meus leitores. Ninguém aguanta mais. No entanto, o assunto está impregnado. Parece visgo de jaca verde. Cola, não sai e quando tento desligar, alguém fala da morte de um amigo, um conhecido, um parente, um desconhecido, por fim um ser humano. É muito ruim.

Outra coisa terrível e dolorosa é quando alguém manda avisar que “fulano” foi intubado. Vixi, é notícia ruim. A maioria que são submetidos a intubação não tem resultado exitoso. Deus tenha misericórdia.

Como sou um otimista contumaz e um cristão convicto, creio que tudo vai se resolver. Até lá, pergunto: cadê minha vacina?

Elizeu Gonçalves Muchon- Professor e Jornalista

elizeumuchon@hotmail.com

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