Publicado em 14/04/2022 às 14:51, Atualizado em 14/04/2022 às 18:53

“Se não tem pão que tomem Viagra”, por Maiko Lopes

Maiko Lopes,
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Imagem: Arquivo Pessoal

Os últimos acontecimentos que estamos vivendo me fizeram querer voltar a outro período de extrema desigualdade, brutais privilégios, fervor religioso e uma luta feroz para mudar as coisas. Estou lembrando aqui da Revolução Francesa de 14 de julho de 1798, evento esse “mais importante do mundo” segundo o historiador inglês Eric Hobsbawm (“A era das revoluções”, 2013). – e tudo mudou de maneira tão radical que o mundo nunca mais foi o mesmo. Começando pela Europa e depois se radicando pelo afora, as Américas, África e Ásia; todos com suas bandeiras tricolores e o lema Igualdade, Liberdade e Fraternidade. Mas, sobretudo, com uma cópia da Declaração dos Diretos do Homem e do Cidadão em baixo do braço.

Às vésperas de 1789, a França passava pele flagelo da fome. Colheitas ruins, impostos altos, privilégios aristocráticos que saltavam aos olhos da sociedade, faziam com que o clima político da França naqueles anos que antecederam o começo da Revolução fosse explosivo.

Fechados em castelos magníficos, como Versalhes nos arredores de Paris, os nobres viviam em meio à riqueza e ao luxo. Enquanto isso, o resto da sociedade pagava pelas extravagancias de poucos privilegiados. As coisas estavam no limite e qualquer problema parecia que explodiria todo o sistema.

A péssima gestão agrícola e ambiental, aliada uma dívida nacional incontrolável, uma inabilidade política extrema do monarca e novas ideias sobre como deveria se organizar a sociedade, foram os principais fatores que deram início à crise que desembocaria na Revolução Francesa. O fim de Maria Antonieta todos já sabemos; foi a sua cabeça ficando por volta de 1,15 metros de seu corpo, mas chega de falar da França, vamos voltar ao Brasil.

Ao final de 2021, o Brasil teve a sexta maior taxa de desemprego em uma lista com 42 países. É o que aponta um ranking produzido pelo economista-chefe da agência de classificação de risco Austin Rating, Alex Agostini.

No trimestre encerrado em dezembro, a taxa de desemprego no Brasil foi de 11,1%, informou nesta quinta-feira (24) o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística).

E você sabe o que desemprego gera? Isso mesmo! Ele gera fome. Mais da metade da população brasileira — 116 milhões de pessoas — vive com algum grau de insegurança alimentar. Ao menos 19 milhões estão passando fome.

Os dados são de levantamento da Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional (Rede Penssan).

Há muitas consequências decorrentes da insegurança alimentar e da fome. Segundo especialistas consultados pela CNN Brasil, elas envolvem problemas de saúde que se transformam em mazelas sociais, econômicas e educacionais e podem ser irreversíveis, sobretudo incidindo nas crianças.

Na cidade de Cuiabá-MT, mães e pais de família acordaram de madrugada para tentar conseguir doação de OSSO ofertada anteriormente por um açougue local, e infelizmente não teve osso para todos, “A gente está vindo por necessidade mesmo. Não tenho vergonha de falar que preciso. Ainda tem pessoas boas nesse mundo”, disse a aposentada Zilda Pereira.

Aqui é assim: é jovem mãe que morre cozinhando com álcool sem dinheiro pra comprar gás, é garimpeiro que exige sexo com crianças e mulheres Yanomami em troca de comida, em Melgaço, no Pará, crianças e adolescentes são abusadas sexualmente em troca de comida.

Você não tem medo de que isso aconteça com a sua filha?”, questiona o repórter da Record para uma mãe de 33 anos, que ganha um salário de R$ 400 e precisa sustentar cinco filhos. “Tenho, mas ela não agarra lá”, diz a mulher, dando a entender que acredita que a filha não precisa fazer “favores sexuais” para ganhar comida – mas o sorriso triste no rosto da mãe prova que ela não tem total certeza disso. No Brasil existe de tudo um pouco, sobretudo pouco.

Por outro lado, não é só de miséria e exploração sexual que vive nossa Pátria Amada. Pregões de 2020 e de 2021 mostram que o Exército Brasileiro teria usado quase R$ 3,5 milhões na compra de 60 próteses penianas infláveis. As próteses têm comprimento entre 10 e 25 centímetros e cada unidade custa entre R$ 50 mil e R$ 60 mil. As compras realizadas em três processos licitatórios, com um gasto total de R$ 3.475.947,30.

E tem mais meus caros leitores. As Forças Armadas aprovaram pregões para comprar 35.320 comprimidos de Viagra, medicamento usado tipicamente para tratar disfunção erétil, esse é o "braço forte e mão amiga".

Mas nem só de putaria desenfreada viverá o homem não é mesmo?

Olha a lista de compras do exército brasileiro só de filé mignon são 557,8 mil quilos para atender aos comandos da Marinha, da Aeronáutica e do Exército.

O cardápio ainda incluiria 373,2 mil quilos de picanha e 254 mil quilos de salmão. Os processos são feitos mediante pregão ou dispensa de licitação.

E não para por ai, no ministério da economia tinha outra lista do exército: 714 mil quilos de picanha; 80 mil cervejas, inclusive com exigência de marcas como Heineken e Stella Artois; mais de 150 mil quilos de bacalhau; 438,8 mil quilos de salmão; 1,2 milhão de quilos de filé mignon, além de uísque 12 anos e conhaque.

Enquanto mães de família se degradam para conseguir uma sopa de osso, enquanto crianças de 7 anos de idade são estupradas em troca de um pacote de arroz, o exército brasileiro come salmão e picanha, bebendo Heineken e whisky 12 anos, mas é claro, só depois que passa o efeito do Viagra.

A história magister vitta, com seus exemplos revela que a fome é o maior estopim de um fenômeno revolucionário, contra ela não há falácias, tampouco promessas desmedidas. Que a França revolucionária de 1798, nos lembre sempre que maus governantes que fazem seus filhos passarem fome, frios, inanição, desemprego, juros altos, inflação galopante também acendem faíscas que desencadeiam em processos revolucionários. Ou que governantes que vivem no luxo, como o Exército acima citado, causa mal estar na população que passa fome.

• *Maiko Lopes académico do curso de Direito da finan e membro do grupo de estudos de direitos humanos (GEDHU)