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"SORRIA, VOCÊ MORREU", por Maiko Lopes

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Maiko Lopes, acadêmico do curso de Direito da Finan e membro do Grupo de Estudos de Direitos Humanos (GEDHU) - Imagem: Arquivo Pessoal

Emoção e revolta. Esses foram os sentimentos que a Volkswagen provocou nos brasileiros com o filme comemorativo de seus 70 anos no país. Nele, a eterna Elis Regina e sua filha Maria Rita fazem um dueto dirigindo o Fusca, a Kombi original e a Kombi elétrica ID.

Dirigindo e cantando "Como Nossos Pais", de Belchior, mãe e filha são unidas no passado e no presente por uma Inteligência Artificial (IA) 41 anos após a morte de Elis.

Mas a homenagem virou alvo de questionamento de parte dos fãs da obra, que decidiram questionar a utilização de imagens de pessoas falecidas em publicidade e reviver as ligações da montadora de carros com a Ditadura Militar no Brasil, que durou de 1964 a 1985.

Fundada em 1937, a Volkswagen chegou ao Brasil em 1955 como a primeira fábrica da marca a produzir fora da Alemanha. Foram necessários, portanto, diversos incentivos financeiros do governo para a companhia permanecer no País. A partir de 1964, a Volkswagen tornou-se líder estrangeira no Brasil, por uma conjuntura econômica muito favorável aos seus negócios durante a ditadura. É nítido que a VW tinha interesse na manutenção do regime de exceção no Brasil, pois a restrição de direitos fundamentais limitava a organização dos trabalhadores e favorecia as margens de lucro, por outro lado, a sua proximidade com o governo lhe garantia vantagens econômicas e financeiras.

Financiamento e disponibilização de veículos a operações de repressão, fornecimento aos militares de dossiês sobre funcionários “subversivos”, detenções ilícitas nas dependências da empresa e ocultação de paradeiro de presos políticos a familiares. Foi intensa a colaboração da Volkswagen com a ditadura brasileira de 1964 a 1985.

Alguns afirmaram que era contraditório que o grupo alemão usasse a voz e a imagem de Elis (morta), que fazia oposição ao regime autoritário, para fazer a propaganda de seu novo carro.

A propaganda é uma ferramenta poderosa que as empresas utilizam para promover seus produtos e serviços. No entanto, quando se trata de utilizar a imagem de uma pessoa falecida, a questão da ética surge de forma contundente. Será que é ético utilizar a imagem de alguém que já não está mais entre nós para promover uma marca?

A legalidade desse tipo de propaganda pode variar de acordo com a legislação de cada país. Alguns lugares possuem leis específicas que regulamentam o uso da imagem de pessoas falecidas, exigindo autorização prévia dos familiares ou herdeiros. No entanto, mesmo que a legalidade esteja garantida, a questão ética continua sendo um ponto de discussão.

Imagine a seguinte situação: uma empresa decide utilizar a imagem de um famoso guitarrista falecido para promover um novo modelo de violão. A família do músico dá sua autorização para o uso da imagem, pois acredita que essa seria uma forma de manter viva a memória do artista. Porém, será que essa decisão é realmente ética?

A ética envolve a análise de princípios e valores morais, e a utilização da imagem de uma pessoa falecida para fins comerciais pode ser considerada uma violação da dignidade humana. Afinal, a pessoa em questão não está mais presente para consentir ou recusar o uso de sua imagem. Essa falta de consentimento pode ser interpretada como uma forma de desrespeito ao indivíduo e à sua memória.

Além disso, a responsabilidade também deve ser levada em consideração. Ao utilizar a imagem de uma pessoa falecida, a empresa assume a responsabilidade de representar adequadamente a vida e o legado daquela pessoa. Qualquer desvio ou mau uso dessa imagem pode causar danos à imagem do falecido e à sua família, além de gerar uma reação negativa do público.

É importante lembrar que a propaganda tem o poder de influenciar as pessoas e moldar suas percepções. Utilizar a imagem de uma pessoa falecida pode criar uma associação emocional com o público, aproveitando-se da admiração e do carinho que as pessoas têm por aquele indivíduo. Essa manipulação emocional pode ser considerada antiética, pois explora os sentimentos das pessoas em benefício próprio.

Em suma, a utilização da imagem de uma pessoa falecida com autorização pode ser legal, mas isso não significa que seja ético. A ética envolve a análise de princípios morais e o respeito à dignidade humana. Utilizar a imagem de alguém que já não está mais entre nós para fins comerciais pode ser considerado uma violação dessa dignidade. É necessário refletir sobre os impactos emocionais e a responsabilidade envolvida nesse tipo de propaganda.

Outros também argumentaram que a música de 1976, usada como trilha sonora pela multinacional, é uma crítica aos militares e as gerações anteriores. NÃO É UMA CANÇÃO DE AMOR ENTRE DIFERENTES GERAÇÕES (ninguém mais tem capacidade de interpretação de texto?). Na música “Como nossos pais” Elis e Belchior lamentavam que, apesar do esforço de uma geração em negar a estética e os comportamentos da geração anterior, os fundamentos que regem a vida permaneciam os mesmos. Foi ressignificada em prol das ideologias do status quo.

Foi longa a oposição de Elis em face da volkswagen, ela cantava para arrecadar dinheiro para os fundos de greve dos metalúrgicos CONTRA a volkswagen.

E agora nos deparamos com um deep fake de uma pessoa morta, sorrindo e vendendo produtos. O deleite e o gozo de ver o objeto inanimado ganhando “ânima” provam a tese de Marx sobre o fetichismo de mercadoria.

Não há limites para a publicidade. Não há limites éticos sobre a utilização da imagem dos artistas por seus herdeiros? E sobre tudo, não há limites para falta de memória e interpretação de texto!

Em determinado trecho da música, Belchior fala que quem lhe deu "a ideia de uma nova consciência e juventude" está em casa "contando vil metais", numa profecia talvez trágica do que aconteceria com a imagem de Elis -- Maiko Lopes, acadêmico do curso de Direito da Finan e membro do Grupo de Estudos de Direitos Humanos (GEDHU).

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